Histórias de superação e acolhimento revelam como a inclusão transforma o cotidiano de professores com deficiência e impacta alunos no ensino público Nesta quarta-feira (6), quando é celebrado o Dia Nacional dos Profissionais da Educação, […]
Histórias de superação e acolhimento revelam como a inclusão transforma o cotidiano de professores com deficiência e impacta alunos no ensino público
Nesta quarta-feira (6), quando é celebrado o Dia Nacional dos Profissionais da Educação, o exemplo da Faculdade de Tecnologia do Estado (Fatec) Ipiranga – Pastor Enéas Tognini, na Capital, mostra que, além de diretriz pedagógica, a inclusão é um valor vivido cotidianamente pela comunidade acadêmica. Dentro das salas de aula e nos corredores da unidade, a presença de três professores com deficiência, Marcos Júlio, Maria Inês de Oliveira Hernandez e Flaviana Saruta, revela que o conhecimento acessível é possível quando há respeito, acolhimento e compromisso coletivo.
Professor de espanhol e coordenador do curso de Eventos, Marcos Júlio é apaixonado por literatura, cultura e educação. Formado em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado e especializações, acumula uma carreira de mais de 25 anos como educador e gestor acadêmico. Mas, nos últimos anos, precisou reconstruir sua rotina a partir de um diagnóstico difícil: cegueira legal progressiva.
“Sou uma pessoa que sempre amou ler. Tenho 2,5 mil livros em casa. De repente, não poder mais ler ou ver imagens se tornou uma das maiores dificuldades”, conta. O diagnóstico veio em etapas: alta miopia, descolamento de retina, lesões na mácula e, por fim, o laudo médico com 3% de visão no olho direito e apenas 8% no esquerdo.
Apesar do baque, Marcos encontrou na Fatec Ipiranga um espaço de acolhimento. Com o apoio da coordenação, de colegas professores e dos próprios alunos, pôde se adaptar, usando leitores de tela, ditado por voz e apoio de uma auxiliar docente. “Retornei à sala de aula neste semestre. A experiência foi fantástica. Mesmo com limitações, oriento os alunos quanto à fala, postura, entonação. É possível continuar.”
O carinho dos estudantes emociona o professor. Em um projeto integrador chamado Identidade, os estudantes contrataram uma pessoa especialmente para fazer a audiodescrição do evento. “Era uma exposição imersiva, com foco em nostalgia e memória. Eu fui acompanhado por essa profissional durante todo o percurso”, recorda.
Enxergar com sensibilidade e precisão
Doutora e mestre em língua inglesa pela USP, com mais de três décadas dedicadas à docência, a professora Maria Inês de Oliveira Hernandez é portadora de retinose pigmentar, condição genética, progressiva e irreversível. Hoje conta com menos de 10% de campo visual. Na Fatec Ipiranga, onde leciona desde 2015, encontrou um ambiente que valoriza o conhecimento e garante condições adequadas para exercer sua função com autonomia e dignidade.
“Ser deficiente visual exige de mim um trabalho pedagógico com ainda mais organização e preparo antecipado”, relata. Por isso, cada aula é pensada com planejamento minucioso: os conteúdos são previamente elaborados, organizados em PDF, apresentações, links e materiais extras, disponibilizados para os alunos por meio do Microsoft Teams. “Essa estrutura me permite ministrar aulas com fluidez e sem improvisos.”
Maria Inês conta com uma sala de aula fixa, no térreo, facilitando sua locomoção; um computador de mesa com login personalizado, configurado com ponteiro ampliado, contraste adequado, conexão direta à TV e ao sistema de áudio. Os recursos eliminam a necessidade de montar ou ajustar os equipamentos a cada aula, garantindo mais independência.
Para as aulas remotas e síncronas, a unidade forneceu um notebook adaptado, equipado com recursos de acessibilidade. “Esse cuidado faz toda a diferença. Consigo me concentrar no que mais importa: ensinar com qualidade.”
O resultado é um ambiente em que os estudantes aprendem valores de inclusão, respeito e empatia. “Meus alunos sempre se mostram solícitos quando há alguma situação em sala. Essa convivência, baseada na confiança mútua, é extremamente enriquecedora.”
Voz que rompe o silêncio e constrói pontes
Ser surda e tornar-se educadora em uma instituição pública de Ensino Superior no Brasil ainda é um feito raro, mas não impossível. A trajetória de Flaviana Saruta, professora de Língua Brasileira de Sinais (Libras) da Fatec Ipiranga e integrante da equipe de inclusão do Centro Paula Souza (CPS), é a prova viva disso.
Desde jovem, enfrentou desafios profundos: barreiras de comunicação, ausência de intérpretes, falta de acessibilidade e desconhecimento sobre a surdez. Durante a graduação, por exemplo, cursou disciplinas inteiras sem apoio linguístico, precisando estudar sozinha, reinterpretar conteúdos visuais e resistir ao isolamento. “Foi uma época muito difícil, mas nunca pensei em desistir. Minha luta era não só por mim, mas por todas as pessoas surdas que viriam depois.”
Hoje, Flaviana tem a oportunidade de abrir caminhos e multiplicar consciência. Sua presença na unidade é uma transformação institucional. “Sou a primeira pessoa surda a integrar a Superintendência de Inclusão e Acessibilidade do CPS. Isso me enche de orgulho, mas também de responsabilidade. Sinto que minha vivência pode impactar positivamente a instituição como um todo.”
Na sala de aula, Flaviana mostra que a comunicação em Libras é mais do que um recurso de tradução, é uma língua completa, estruturada, que carrega identidade, cultura e história. Sua metodologia vai além da gramática: a professora ensina Libras, mas também educa para a empatia e a convivência com a diferença.
Embora o preconceito e a desinformação ainda existam, a educadora percebe avanços dentro do ambiente da Fatec. “Me sinto respeitada, ouvida e acolhida. A equipe de inclusão está mais estruturada. Há um esforço concreto por parte da liderança e dos colegas em garantir que eu possa exercer meu trabalho com autonomia e dignidade.”
Força da gestão que acolhe
À frente da coordenação da Fatec Ipiranga, Fabiana Serralha reflete sobre a importância de construir um ambiente propício. “Incluir de verdade é aprender todos os dias e, muitas vezes, a partir dos nossos próprios tropeços”, afirma.
A educadora relembra um episódio marcante com o professor Marcos: “Ele me disse que sairia do grupo de WhatsApp porque não conseguia acompanhar as mensagens. Foi um choque. Percebi que estávamos falhando na comunicação.” A partir disso, a gestão passou a adotar práticas mais acessíveis: áudios descritos, resumos por e-mail e gravações com transcrição.
“O apoio do CPS é fundamental, por meio da Superintendência de Inclusão e Acessibilidade. Estamos aprendendo com afeto, humildade e compromisso com a equidade”, conclui.
fonte: https://www.cps.sp.gov.br/quando-ensinar-tambem-e-incluir-o-exemplo-da-fatec-ipiranga/